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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2019 - Volume 3  - Número 2


Artigo Original

Asma como causa de atendimentos de emergência na cidade do Rio de Janeiro

Asthma as a reason for emergency visits in Rio de Janeiro city

Hisbello da Silva Campos1; Luciana da Rocha Pitta2; Aline Campos Reis3; Mauro Luís Melo Pinto4


DOI: 10.5935/2526-5393.20190030

1. Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Serviço de Alergia e Imunologia Clínica - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Fiocruz, Farmanguinhos - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Rede D'Or, Pediatria - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Complexo Hospitalar de Niterói, Fisioterapia - Niterói, RJ, Brasil


Endereço para correspondência:

Hisbello da Silva Campos
E-mail: hisbello@globo.com


Submetido em: 30/04/2019
Aceito em: 11/06/2019

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a proporção de consultas motivadas pela asma na Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) da cidade do Rio de Janeiro/RJ, Brasil. A RUE é composta por Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Coordenações de Emergência Regional (CER) e hospitais de Pronto-Socorro.
MÉTODO: Foram coletados dados referentes aos atendimentos de 35 unidades (UPAs e CERs) abrangendo desde a data de início de funcionamento de cada uma até 31 de dezembro de 2015 (UPA) e 31 de dezembro de 2016 (CER), compreendendo cerca de 12 milhões de atendimentos. Os hospitais de Pronto-Socorro não foram incluídos já que, neles, o atendimento não é informatizado, ao contrário das UPAs e CERs.
RESULTADOS: Cerca de 9% das consultas não puderam ser analisadas por falhas no registro. Do total de atendimentos analisados (11 milhões), 5% (562 mil) foram registrados como causados por asma. Vinte por cento dos atendimentos por asma envolveram a faixa etária de 0-4 anos, não tendo sido evidenciadas diferenças significativas entre os sexos nas diferentes faixas etárias.

Descritores: Asma, serviços médicos de emergência, epidemiologia descritiva.




INTRODUÇÃO

Habitualmente, nos textos médicos, diz-se que "a asma é uma causa frequente de consultas não agendadas e de atendimentos de emergência". Entretanto, nessa afirmação não há dados que dimensionem essa frequência. Com raras exceções, não se encontram estudos publicados que estimem o valor da asma como causa de atendimentos de emergência em populações1.

Atenção às Urgências e Emergências (RUE), onde o registro do atendimento médico é informatizado. O presente estudo procurou usar o banco de dados da RUE na cidade do RJ para estimar o impacto da asma como causa de atendimento de emergência em suas unidades.

 

REDE DE ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

A Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), que integra Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Coordenações de Emergência Regionais (CER) e hospitais de Pronto-Socorro (PS), foi criada pela portaria ministerial GM/MS nº 1.600, de julho de 20112. As UPAs e as CERs têm como objetivo principal funcionar como unidades intermediárias entre as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os hospitais de Pronto-Socorro, buscando reduzir a demanda nos prontos-socorros, ampliando e melhorando o acesso aos serviços de urgência no Sistema Único de Saúde (SUS)3. Na cidade do Rio de Janeiro existem 31 UPAs; 17 são administradas pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), e 14 pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS), que também administra as 7 CERs existentes.

A RUE visa prestar os primeiros cuidados às urgências e emergências em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento a outros níveis de atenção, quando necessário. Funciona 24 horas do dia durante 7 dias da semana. Cada categoria de unidade tem um papel específico, com diferentes perfis de atendimento, e suas atribuições são definidas de modo hierarquizado pela Secretaria de Saúde. Essa segmentação é necessária para distribuir os pacientes entre as unidades conforme o grau de complexidade dos quadros, evitando assim sobrecarga de algumas, reduzindo o tempo de espera e permitindo que os hospitais possam se dedicar aos casos de maior gravidade e traumas. As UPAs são estruturas de complexidade intermediária entre as UBS e as portas de urgência e emergência hospitalares. Essas unidades trabalham com classificação de risco, avaliando todos os pacientes e priorizando os atendimentos de urgência. O principal objetivo é concentrar o atendimento aos pacientes menos graves para que os hospitais possam se dedicar àquelas situações nas quais haja risco iminente de morte. As CERs estão instaladas sempre ao lado de um grande hospital de emergência (PS), de forma que possam atender os casos de complexidade maior que a prevista para a UPA, estabilizando o paciente e definindo a necessidade ou não de encaminhamento a serviços hospitalar de maior complexidade.

A Coordenação da RUE na Secretaria Estadual de Saúde administra diretamente as suas unidades, consolidando todas as informações no nível central. Nas unidades da RUE sob responsabilidade municipal, organizações não governamentais (ONG), denominadas Organização Social (OS), são responsáveis pela administração, seleção e contratação de pessoal, manutenção dos equipamentos, fornecimento de material, reformas estruturais, transporte sanitário e processos de educação permanente e apoio técnico.

A classificação de risco é um guia para o atendimento na urgência a partir do qual são seguidos os fluxos adequados à gravidade da situação. Na RUE, é utilizado o Protocolo Manchester de Triagem, um sistema usado em grande parte das Unidades de Emergência em todo o mundo4 e validado no Brasil5. Ele permite que profissionais de enfermagem definam a prioridade clínica para os pacientes, baseada em sinais e sintomas, sem presunção prévia do diagnóstico subjacente, classificando o paciente em uma de cinco categorias. Ao dar entrada na unidade de saúde, o paciente é classificado em um de dois grandes eixos: vermelho, quando ele está grave e há risco de morte, e azul, quando não está grave. No eixo vermelho, há três níveis: vermelho, laranja e amarelo. No eixo azul, níveis verdes e azul (Tabela 1).

 

 

METODOLOGIA

Estudo ecológico realizado com base nos dados informatizados referentes aos atendimentos médicos nas UPAs e CERs da cidade do RJ, no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2016. Os dados das UPAs compreendem o período desde a data de início do atendimento com registro informatizado até 31 de dezembro de 2015. Nas CERs, referem-se ao período a partir do primeiro dia de atendimento informatizado até 31 de dezembro de 2016. Os atendimentos nos hospitais de Pronto-Socorro não foram incluídos já que a base de dados não está informatizada. Como as diversas unidades das UPAs e CERs começaram a funcionar em momentos diferentes, o período em atividade variou de menos de um a cinco anos no momento da coleta de dados. Em função da substituição eventual de Organizações Sociais (OS) responsáveis pela gerência em algumas unidades pertencentes à SMS, houve claros nos registros dos atendimentos. Por essa razão, os dados avaliados não contemplam exatamente os mesmos meses/anos. As CERs de Realengo e de Campo Grande começaram a funcionar após o período estudado e, por essa razão, não foram incluídas.

Após aprovado pela Vice-Diretoria de Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, o projeto foi apresentado às autoridades responsáveis pela RUE nas Secretarias Municipal e Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. A seguir, todos os diretores de todas as UPAs e CERs gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde foram informados sobre a autorização dada pela Coordenação da RUE na SMS para acesso aos bancos de dados das UPAs e CERs da cidade do RJ. A partir daí, todas as UPAs (14) e CERs (5) administradas pela SMS da cidade foram visitadas para coleta dos dados necessários diretamente do banco de dados de cada US por alunos de cursos de mestrado e/ou doutorado sob supervisão do responsável pelo setor de tecnologia da informação (TI) na unidade. As informações sobre o atendimento médico nas UPAs gerenciadas pela SES-RJ (16) foram obtidas diretamente no nível central.

As variáveis coletadas/analisadas em cada Unidade foram:

- idade;

- sexo;

- bairro de moradia;

- identificação da Unidade;

- bairro da Unidade de Saúde;

- data do atendimento;

- hora de início do atendimento;

- hora de término do atendimento;

- classificação inicial de risco;

- causa do atendimento de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID);

- desfecho do atendimento: Alta / Hospitalização / Morte.

As informações obtidas foram tabeladas e analisadas de modo que permitissem quantificar o impacto da asma como causa de atendimento (através do filtro CID 10 J45) de acordo com a categoria das unidades (UPA ou CER). Dada as proporções variadas de registros sem as informações necessárias, os dados coletados foram reunidos em dois blocos: UPAs e CERs. A quantidade de campos sem informação nos formulários de registro variou temporalmente nas diferentes unidades, obrigando a unificação de todos os anos do período estudado, impossibilitando a análise evolutiva do impacto da asma e gerando diferenças nos totais entre as tabelas a seguir. Na análise de distribuição global dos atendimentos e daqueles motivados pela asma, todas as consultas realizadas, independentemente do motivo, foram colocadas num único grupo, já que o objetivo do estudo não contemplava a análise diferenciada das demais causas de atendimento. Esse grupo (todos os atendimentos) foi comparado a outro que incluiu apenas as consultas motivadas por asma.

 

RESULTADOS

A proporção significativa de informações ausentes nos registros de atendimentos comprometeu a análise pormenorizada das consultas médicas na RUE. Como a Tabela 2 demonstra, foram notificados 12.097.558 atendimentos no total de unidades avaliadas (35). Em 1.099.581 (9,1%) deles havia claros nas informações, sendo que em 437.850 (40%) desses últimos, os registros estavam em branco, sem qualquer informação sobre o atendimento. A proporção de registros com falhas foi significativamente maior nas unidades sob responsabilidade da SMS-RJ. No total de registros estudados, foram identificados 2.046 diagnósticos distintos nos registros de atendimento.

 

 

A asma ficou situada entre a 15ª e 25ª causas de consulta nas UPAs, e entre as 16ª e 43ª posições nas CERs, no período estudado. Como a Tabela 3 demonstra, entre quase 11 milhões (10.997.923) de atendimentos que puderam ser avaliados, a asma foi apontada como causa da consulta em 561.869 (5,1%).

 

 

Os atendimentos por asma foram mais frequentes nas UPAs do que nas CERs (5,5% vs. 1,2%) e a distribuição etária e segundo o sexo foram equivalentes. Quando os atendimentos por asma foram comparados entre UPAs e CERs, observa-se que pouco mais da metade dos asmáticos atendidos nas CERs (58,5%) tinham menos que 15 anos, enquanto nas UPAs esse grupo etário respondeu por cerca de 30% dos atendimentos. A proporção geral de atendimentos foi maior no grupo etário 15-44 anos, responsável por quase metade dos atendimentos, seguido pelos grupos com 5-14 e 45-54 anos. Nos atendimentos por asma, a faixa etária 5-34 anos respondeu por quase metade deles nas UPAs (46,43%), enquanto nas CERs a maior proporção (53,76%) ocorreu entre 1 e14 anos. Globalmente, 46,3% dos atendimentos por asma ocorreram no grupo etário 5-34 anos. A proporção de atendimentos por asma entre maiores que 54 anos foi baixa tanto nas UPAs (15%) como nas CERs (14%).

Na Tabela 4, são apresentadas as classificações iniciais de risco nos atendimentos. O número elevado de registros incompletos, principalmente nas UPAS, prejudicou a análise da associação da classificação inicial de risco aos desfechos nessa categoria de unidade. Por essa razão, a Tabela 4 apresenta os graus iniciais de risco registrados nos atendimentos de apenas 15 UPAs, representando cerca de 5 milhões de consultas, e a totalidade (5) das CERs avaliadas. Em função do número elevado de problemas nos registros das UPAs, não foi possível diferenciar o total de atendimentos daqueles motivados pela asma na classificação do grau inicial de risco nessa categoria de unidade. Dessa forma, a diferenciação incluiu apenas os atendimentos nas CERs. Chama a atenção a ausência de risco "laranja" nos registros das UPAs, o que, provavelmente, resulta de falhas no registro das consultas. Considerando que o planejamento da RUE reserva as CERs para os casos mais graves, a classificação de risco nas CERs deveria ter proporção maior das categorias laranja e vermelho que as UPAs. Nas CERs, a frequência dessas categorias não é elevada (3,4% no total).

 

 

O sistema usado na RUE prevê as categorias de desfecho abaixo listadas.

- Alta por decisão médica.

- Alta com encaminhamento ambulatorial interno.

- Alta com encaminhamento externo.

- Alta a pedido.

- Alta à revelia.

- Alta por desistência.

- Evasão.

- Encaminhado para centro cirúrgico.

- Encaminhado para centro de diagnóstico.

- Óbito.

- Chegou cadáver.

- Boletim extraviado.

- Remoção.

- Nulo (sem informação).

Entretanto, conforme definido inicialmente, os desfechos de atendimento analisados foram apenas: alta, hospitalização e morte.

Os problemas associados às falhas nos registros dos atendimentos, principalmente nas UPAs, dificultaram a análise da associação potencial entre a classificação inicial de risco e o desfecho do atendimento. Por essa razão, apenas 329.556 atendimentos nas UPAs e 924.747 nas CERs puderam ser incluídos na Tabela 5. Nela, pode-se observar que, nos atendimentos por asma, as proporções de alta e hospitalização quando a classificação inicial de risco é laranja ou vermelho são equivalentes às observadas na totalidade dos atendimentos. Não parece haver diferenças significativas nas proporções dos diferentes desfechos avaliados quando comparados os atendimentos totais e os causados pela asma. Globalmente, pode-se observar que, na maior parte dos atendimentos por asma, o desfecho foi favorável (> 98% de altas). A hospitalização ocorreu em 0,33% dos registros, e a morte em 0,05%. As taxas de alta foram discretamente menores nas CERs (97% vs. 99,9%), enquanto as de hospitalização foram ligeiramente maiores: 0,009% nas UPAs e 0,1% nas CERs.

 

 

Conforme a Tabela 6 demonstra, as taxas de resolutividade das consultas são altas: 99,22% resultaram em cura, 0,65% em hospitalizações, e 0,13% em morte. Nos atendimentos motivados pela asma, esses percentuais foram 99,84%, 0,15% e 0,01%, respectivamente. Se avaliadas segundo as faixas etárias, as proporções dos diferentes desfechos são equivalentes nos atendimentos por asma e por todas as causas. Entre os atendimentos por asma, as maiores proporções de hospitalizações foram observadas na faixa etária de 1 a 14 anos (64%), e as de mortalidade entre aqueles com mais de 64 anos (64%). Nessa última faixa etária, se considerados os recursos diagnósticos e disponibilidades no cenário das emergências, é possível que parte dessas mortes esteja associada à doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), e não à asma.

 

 

DISCUSSÃO

O estudo visava medir o impacto da asma como causa de atendimento de emergência na rede pública de urgência e emergência da cidade do RJ (RUE-RJ). A proporção de atendimentos sem informação alguma (3,6%), ou com claros em um ou mais dos parâmetros avaliados (9,1%), impossibilitaram a análise do universo das consultas realizadas. Como todas as UPAs e CERs dispõem de sistema de registro automatizado dos atendimentos prestados, o banco de dados informatizado deveria ser um instrumento importante para a identificação do perfil da clientela habitual de cada unidade e sua consequente adequação para a realidade assistencial. Idealmente, o reconhecimento dos equipamentos e insumos necessários, a definição dos processos específicos de qualificação do corpo de funcionários e dos fluxos de referência de pacientes deveriam ser baseados nas informações registradas no banco de dados em cada unidade. Seu conteúdo é fundamental para a estruturação da unidade, para o processo de gestão e sua inserção regional na rede de saúde. Sem um banco de dados bem gerido, o funcionamento da unidade nunca será adequado à realidade local em sua área de responsabilidade.

Todos os registros são informatizados nas UPAs e CERs, mas apenas na rede sob responsabilidade da SES-RJ os dados são consolidados no nível central, embora sua organização seja terceirizada. Nas unidades sob a responsabilidade da SMS-RJ, não há uma linha gerencial única das informações. Cada unidade é administrada por uma OS, que é responsável pela escolha da empresa de Tecnologia da Informação (TI) que faz o gerenciamento do registro e armazenamento dos dados. Tanto na rede estadual como na municipal da RUE-RJ, não há um padrão mínimo obrigatório de dados de atendimento que deveriam ser registrados. Em estudo recente sobre a integração das UPAs na rede assistencial da cidade do Rio de Janeiro, Konder e O'Dwyer também apontaram falhas estruturais e fragmentação gerencial causadas pela falta de governança unificada6. Conforme comentado acima, os dados primários referentes aos atendimentos médicos representam o ponto inicial para o cálculo das necessidades da Unidade de Saúde visando sua adequação às necessidades reais da população. A ausência de informações no registro das consultas, aliada às falhas gerencias e operacionais, representam obstáculos para alcançar os objetivos definidos na criação da RUE.

Resumidamente, cerca de 90% (11 em 12 milhões) dos atendimentos notificados num período de cerca de 5 anos na RUE da cidade do RJ puderam ser total ou parcialmente analisados. Na ausência de parâmetros que possam fazer supor que o perfil do atendimento nos 10% de consultas restantes seja diferente, a asma deve ser responsável por cerca de 5% dos atendimentos na RUE da cidade do RJ, estando situada entre a 15ª e 32ª causa de atendimentos. Aos problemas no registro dos atendimentos, somam-se outros que poderiam reduzir o grau de exatidão dos resultados obtidos. Um deles, refere-se ao uso de termos inadequados (dispneia e bronquite, por exemplo) no registro da causa do atendimento, observado em diversas situações. Esse fato contribuiu para redução do quantitativo de consultas motivadas pela asma, dado que o filtro de seleção de casos foi o CID-10 J45. Um segundo ponto importante que, certamente, aumentaria o impacto da asma como causa de atendimento de emergência e não foi contemplado nesse estudo, é representado pela parcela da população que tem acesso a plano privado de saúde. Aparentemente, o fato de os hospitais federais e os grandes hospitais de Pronto-Socorro não terem sido incluídos no estudo tem valor menor, já que o papel dessas Unidades no atendimento ao asmático em crise é, provavelmente, menor que no passado, antes da implementação da RUE.

É inegável que viéses diagnósticos podem interferir num estudo desse tipo. Particularmente na asma, problemas no diagnóstico diferencial com bronquiolite e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) nos extremos etários podem causar sub ou superestimativas nas taxas diagnósticas. Esse risco é inerente à metodologia aplicada, que baseou as conclusões em registros gerais de atendimento. Uma das características da asma é ter maior prevalência na população infantil. Na faixa etária de 0-4 anos, a asma foi notificada como causa do atendimento em 20% dos atendimentos. Entre os menores que 15 anos, a proporção de atendimentos por asma foi duas vezes maior nas UPAs (31%) que nas CERs (15%). A distribuição dos atendimentos nas diferentes faixas etárias não evidenciou diferenças entre os sexos. Cerca de 15% dos atendimentos gerados por asma foram notificados no grupo de maiores que 54 anos. Esse percentual reduzido pode espelhar baixa proporção de confundimento diagnóstico com DPOC.

A avaliação dos desfechos de tratamento nos atendimentos por asma revela que ações efetivas devem estar sendo tomadas nas unidades da RUE. Com base nos registros com informação sobre a causa do atendimento e o resultado do tratamento (alta, hospitalização ou morte), 99,62% das consultas resultaram em alta médica. As proporções de hospitalização (0,33%) e mortes (0,05%) foram baixas. Entretanto, quando os resultados do atendimento foram analisados de forma segmentada, houve diferença entre as UPAs e as CERs. Nas UPAs, a taxa de alta após a consulta foi de 99,9%; a de hospitalização foi 0,09%; e a de morte, 0,01%. Nas CERs, a taxa de alta foi menor (91,51%), enquanto as de hospitalização (7,12%) e morte (1,37%) foram maiores. Dadas as características do estudo, não se pode afirmar se o perfil dos asmáticos atendidos nas CERs é mais grave, ou se a efetividade do tratamento é superior nas UPAs.

Finalizando, o conjunto de falhas nos registros dos atendimentos representou obstáculo para o dimensionamento apropriado da relevância da asma como causa de atendimento de emergência. Entretanto, o número de atendimentos cujos registros continham as informações necessárias para serem avaliados nesse estudo é grande (quase 11 milhões). Desses, mais de meio milhão (562 mil) foram motivados pela asma, o que, certamente, representa um número capaz de revelar o impacto epidemiológico relevante da asma na cidade do RJ. Mesmo que toda a análise e as conclusões estejam baseadas apenas nos atendimentos com as informações necessárias, provavelmente podem ser aplicadas para a totalidade das consultas nas UPAs e CERs da cidade do RJ. Essa hipótese está justificada pelo fato de que, mesmo considerando que o motivo da consulta seja desconhecido numa parcela dos atendimentos, não há elementos para supor que a proporção de atendimentos por asma nesse grupo não seja equivalente à observada no grupo com as informações necessárias. Se esse racional for correto, esse estudo reflete um número próximo a 600.000 consultas causadas pela asma, atendidas na RUE, num período inferior a 5 anos numa mesma cidade.

No início desse artigo, foi comentado que, apesar de os textos médicos sobre a asma afirmarem que ela é uma causa importante de atendimentos de urgência, sua relevância ainda não havia sido quantificada. O estudo aqui apresentado fez essa quantificação. A partir de seus resultados, pode-se dizer que, aparentemente, a asma é responsável por cerca de 5% dos atendimentos médicos na RUE da cidade do Rio de Janeiro.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a colaboração dos Coordenadores da RUE nas Secretarias Municipal de Saúde, Dr. Conrado Norberto Weber Jr. e Dra. Ana Lúcia Eiras Neves, e na Secretaria Estadual de Saúde, Dr. Virgílio Augusto Gomes Parreira, por autorizarem o acesso aos dados dos atendimentos médicos nas UPAs e CERs da cidade do Rio de Janeiro. Agradecemos, também, a Marcelo de Aguiar Fernandez, da ENSP, e Felipe Peixoto Pereira, pela organização dos dados para posterior análise.

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. WHO - Asthma. Disponível em: https://www.who.int/respiratory/asthma/en/

2. Rio de Janeiro - SES-RJ. Rede de Atenção às Urgências e Emergências [internet]. Disponível em: http://www.informacaoemsaude.rj.gov.br/993-redes-tematicas/rede-de-urgencia-e-emergencia/25416-rede-de-atencao-as-urgencias-e-emergencias.html?start=3.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde (SUS) / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Brasília : Editora do Ministério da Saúde; 2013.

4. Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Emergency Triage. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd; 2014.

5. Souza CC, Toledo AD, Tadeu LFR, Chianca TCM. Classificação de risco em pronto-socorro: concordância entre um protocolo institucional brasileiro e Manchester. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):26-33.

6. Konder MT, O'Dwyer G. A integração das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) com a rede assistencial no município do Rio de Janeiro, Brasil. Interface. 2016;20(59):879-92.

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